Longe vão os dias em que julgava que conseguia mudar o mundo através das palavras. No entanto ha historias que merecem ser contadas, e essas sim, podem mostrar que a mudança e possível...
Esta historia aconteceu num dos meus muitos voos. Tinha descolado de Lisboa em direção a Bruxelas. Depois de tantos voos, o conhecer das pessoas que se sentam ao meu lado já não se afigura tão interessante assim como no inicio. Desta vez foi diferente. Lembro-me que so dei por isso meia hora depois de descolarmos e de controlar os meus receios...
O avião já tinha atingido velocidade de cruzeiro, e ao meu lado estava um rapaz de cor que aparentemente viajava sozinho, que não devia ter mais de 12 anos. Perguntei se estava bem e se viajava sozinho. Ele respondeu, em Inglês, que estava bem e que viaja sozinho desde o Gana, tendo feito escala em Lisboa. Já ia portanto com mais de 10 horas de viagem. Continuou a falar e perguntou –me se já tinha viajado de avião antes, ao que eu respondi “umas 500 vezes”. Suspirou de alivio, e disse que se sentia melhor por viajar ao meu lado, uma vez que eu já tinha viajado tanto. Nesse momento engoli coragem e esqueci todas as crises de voar para dar dar segurança ao rapaz. De seguida, contou-me a sua historia: chamava-se Nesta, tinha 12 anos, era a primeira que voava, e ia ter com a a sua mãe que vivia na Bélgica, e a qual não via desde 2007 (6 anos portanto). Atrás deixava o seu pai, tio e irmão com quem vivia. Segundo me contou, a sua mãe passou dois anos a juntar dinheiro para o trazer para a Bélgica. O seu pai era pescador e o seu tio era sapateiro e também tinham ajudado para a viagem. Para quebrar os pensamentos saudosistas,perguntei o que o que queria ser quando fosse grade: “Piloto”, respondeu.Achei curioso, e como tal, chamei a assistente de bordo, e sem ele saber, pedi a assistente para que o levasse ao cockpit. Contei-lhe a historia do miúdo, e ela, depois de confirmar com o comandante, chamou o Nesta e la o levou. Eu pensei, em 500 viagens, nunca fui ao cockpit...
Passado meia-hora o rapaz voltou contente como ate ai não o tinha vista...Contou-me que tinha mexido nos comandos do avião, eu cheio de inveja fiquei: C***, pensei! Sentindo a necessidade de me compensar, tirou a mochila que tinha debaixo do banco. Referiu que tudo o que trazia consigo estava naquela mochila. Ou seja, ele ia fazer 20.000 Km, mudar de pais de vida, e trazia uma mochila, e eu, que viajava por 1 semana, trazia uma mochila e um trolley no porão!
Abriu a mochila e tirou tudo o que tinha: uma sandes, umas sandálias de couro feitas pelo tio, um pullover e uma bíblia. Perguntou se eu acreditava em Deus. Eu disse que acreditava na existência de algo mas que não sabia o seu nome. De seguida, pediu-me para eu ficar com a bíblia. Recusei a oferta dizendo, que ele tinha de acabar de ler aquela bíblia e depois continuar e ler todas as outras, para um dia escrever a sua própria, tal como eu tento fazer. Guardou a biblia, e mostrou-me as sandálias. Eram pretas e como todas as sandálias, eram abertas. Disse-lhe que eram bonitas mas que, infelizmente, na Bélgica nas as poderia utilizar muito porque estava a nevar. De repente, os olhos abriram-se de espanto, e disse que nunca visto neve. A partir dai, colou o seu olhar na janela a espera de ver a dita neve. Mostrei-lhe o mapa do mundo, e apontei no mapa o trajecto que ele tinha feito. Expliquei que quanto mais para Norte, mais frio. Ele já não se importava, ja so queria ver a neve.
No fim, aterramos em Bruxelas, com o aeroporto coberto de neve, e o Nesta agradeceu-me por tudo como se eu fosse um feiticeiro que tivesse feito nevar. Acabou por ser levado pelos serviços de assistência e eu já não vi o reencontro com mãe. Deixou-me um papel com algumas palavras escritas no dialecto da aldeia, que ainda guardo. O que mais me marcou, foi ver um rapaz de 12 anos que apesar, do que estava a viver, nunca esboçou um sentimento de tristeza, magoa, infortúnio ou arrependimento. O seu sorriso apenas mostrava a alegria e coragem de quem vê o mundo pela primeira vez. No fim do dia, todos as preocupacoes que tinha desaparecerem, pois na verdade, são insignificantes quando comparadas comparadas com a alegria viver.
PS: em Portugal queixam-se do que mesmo?