quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Regresso a Elvas - III

Este será o meu último texto sobre Elvas no imediato, até porque estou a caminho de Berlim enquanto inicio a sua redacção. São muitos quilómetros que separam Berlim de Elvas. Mais longe ficam ainda as longas noites de Verão da minha infância onde me sentava a observar o Forte da Graça através janela do meu quarto. O céu estrelado sobre o forte fascinava-me. Foi talvez aí que comecei a sonhar com viajar e com descobrir o que estava para “além do Forte”. Alguém me irá responder muito correctamente que é o Vedor, mas o que eu mais admirava naquela visão era sentir que aquele monte de terra estava mais perto das estrelas que eu, e eu queria chegar às estrelas. O Forte da Graça foi assim um dos primeiros horizontes que eu tive que superar na caminhada até às estrelas. Outros horizontes foram criados desde então, e muitos outros o serão.

Soube durante a minha estadia que vão renovar o dito Forte da Graça, e para tal vão ser investidos uns quantos milhões de euros. Espero que não seja para construir mais um simples museu de circunstância. Os museus falam do passado. Os portugueses vivem muito no passado, nos descobrimentos, no antigo regime, num tempo que foi bom mas que tarda em voltar. É bom conhecer o passado mas é também importante traçar horizontes para o futuro, referências para que as pessoas tenham algo a que se agarrar na conquista dos seus sonhos. Espero por isso que o que seja feito no Forte da Graça seja destinado a criar horizontes nas pessoas, tal como o forte me serviu na minha infância, e que através dessa referência sintam que conseguem alterar a sua vida. O que mais me custou na minha estadia em Elvas foi observar que a vida das pessoas não mudou muito. A minha geração faz o mesmo que fazia a geração anterior: trabalho, casa, novela (ou futebol) e trabalho novamente, com uns copos e uns bitoques com os amigos pelo meio. Os bitoques continuam os mesmos de sempre. Confesso que há dias que invejo essa vida simples. Sair de casa e visitar os pais ou avós na rua abaixo, entre outras coisas. A minha questão é se há pessoas que ambicionam outras vivências, e se existem horizontes para guiar essas ambições.

Analisando a situação em Elvas verifico que existe um Comendador que é Vereador, algo que considero profundamente errado. Um vereador é alguém que gere projectos, pessoas, orçamentos. Muitas pessoas estão qualificadas para sê-lo. Os vereadores podem ser contratados, mas os Comendadores não! Um Comendador é alguém que pelo estatuto que atingiu está designado para obras mais vastas do que dirigir a obra da rotunda da boa-fé, sem menosprezo algum para este tipo de obras. O que pretendo aqui é valorizar o título de Comendador. Eu imagino um Comendador, que neste caso é uma promoção do anterior cargo de Presidente da Câmara, a escrever livros sobre a sua experiência, a dar palestras na escola, a mediar conflitos entre autarquias do concelhos, a promover a cidade junto de instâncias nacionais e internacionais, a angariar fundos para construção do forte, a defender causas mais transversais à população, entre muitas outras possibilidades. Há um sem fim de tarefas que um Comendador pode desempenhar, e que alguém com esse título pode desempenhar melhor que ninguém. Se o título servir apenas para ser exibido em parques de estacionamento, então é porque não há noção, não há horizonte daquilo que se pode fazer. Parece-me que o horizonte, neste caso, está colocado localizado fisicamente no Forte da Graça e daí não. Não existe nada mais amplo, mais vasto. Quando tal acontece, ou é porque se quer manter tudo igual para se manter o controlo dos acontecimentos ou então porque não há mesmo ideia de futuro. Ambos os casos representam um travão ao aparecimento de novas ideias, novas pessoas e novas empresas.  


Usando este exemplo, penso no que ambicionarão os funcionários da câmara, os empresários e as pessoas em geral. Será que não se importam que continue tudo igual e que a vida vá passando e se vá vivendo? Ou por outro lado, será que existem dificuldades em criar horizontes, novas metas e novos objectivos por que lutar? Penso em quantas pessoas gostariam de ter a oportunidade de criar uma oportunidade de criar uma empresa para proporcionar trabalho a outras pessoas, ou criar um produto inovador, ou simplesmente ganhar mais dinheiro que o Bill Gates. Suponho que cada um que ler este texto saberá responder melhor que eu. No entanto, sou da opinião que, em Portugal, e em Elvas em particular, são necessárias mais pessoas que queiram mudar o mundo, mesmo que esse mundo seja o quintal da nossa casa...

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Regresso a Elvas - II

Os meus dias em Elvas são bastante rotineiros. Todavia tenho especial prazer em fazer as coisas mais simples como por exemplo, caminhar até ao centro da cidade. Infelizmente, não tenho bicicleta comigo pelo que o passeio é sempre a pé. O facto de haver tantas rotundas faz-me pensar que o trânsito deve ser intenso, e o deve ser ainda mais pela manhã. Afinal de contas, as rotundas servem essencialmente para isso: melhor o fluxo de carros. Dessa forma, procuro ir o mais cedo possível para evitar o barulho do trânsito. Desde o Modelo até ao centro da cidade demorei 15 minutos e algo me surpreendeu. Apesar de estar um dia fantástico, apenas eu circulava a pé. Todas as outras pessoas circulavam em carros ou carroças, e não vi ninguém a circular em bicicleta.

Lembro-me de quando comecei a trabalhar em Antuérpia, na Bélgica. Em dias de mau tempo, ou seja quase todos os dias do ano, no percurso matinal de 3 minutos até à paragem de autocarro, olhava para o céu e queixava-me do tempo, da comida, do trabalho e de tudo o que me irritava. Mas depois, olhava para o lado e via centenas de pessoas a deslocarem-se de um lado para outro em bicicleta, fizesse chuva, neve ou Sol. Admirava particularmente aqueles que transportavam bebés em atrelados que se ligavam às bicicletas. Havia bicicletas especialmente adaptadas para transportar bebés. Importa dizer que as pessoas que usavam a bicicleta iam desde estudantes a executivos de fato e gravata. Para além de ser uma solução que permite poupar dinheiro e ambiente, o que mais me admirava era sentir que aquelas pessoas controlavam o seu próprio destino uma vez que dependiam única e exclusivamente de si próprios, da sua força e resistência para chegar ao destino. O tempo, a imagem e a distância não eram obstáculos para eles fazerem algo que consideravam melhor.

Quando me mudei para o Sul de França, a primeira coisa que fiz foi comprar uma bicicleta. Comecei a levantar-me às 6 da manhã e percorrer 11 Km até ao local de trabalho, enfrentando subidas com rampas de 6 e 8% de inclinação. Foi duro nos primeiros dias mas agora sinto que sou algo mais independente e que tenho um pouco mais o controlo da minha vida.

Olhando em volta pela cidade de Elvas, questiono-me se as pessoas em Elvas controlam a sua vida, ou se pelo contrário, são pessoas muito dependentes. Para se ter controlo da própria da vida penso que é importante haver liberdade de expressão, para que cada um consiga afirmar o que realmente quer. Dentro da liberdade de expressão, temos a liberdade de opinião, a liberdade do dizer e do falar. Esta última, apesar de ser das liberdades mais pequenas, quando não existe, inibe as restantes liberdades. É uma das liberdades primárias e que tem que ser assegurada. Esta reflexão faz-me pensar na demissão em bloco de todos os vereadores da câmara de Elvas na sequência da decisão do Presidente da autarquia em retirar o pelouro ao antigo Presidente. Sendo a retirada dos pelouros uma decisão que está no âmbito das competências do Presidente, poder esse que foi concedido pelos eleitores quando o elegeram, causa estranheza que todos se tenham demitido por um algo que está previsto que possa acontecer. Pode ser o caso, e citando Moliére, o dramaturgo francês, que “quando todos pensam o mesmo, é porque não se pensa muito ”. Ou pode ser o caso em que a liberdade de opinião dos vereadores fosse ignorada ou comprada, e estes tivessem sido “forçados” a demitir-se. A questão que se coloca aqui, é a de que se um vereador, que tem um salário superior à média da população, tem um mandato de 5 anos garantido e que só tem que prestar contas aos seus eleitores, consegue ser facilmente inibido de actuar segundo a sua opinião, então que liberdade de opinião terão pessoas que ganham o salário mínimo, desempregadas, trabalhadores precários ou até trabalhadores independentes que dependam da acção de vereadores, seja pela burocracia ou por negócios. Provavelmente muito pouca ou nenhuma. Por outro lado, se alguém quer provocar eleições, é porque pensa que vai ganhar as eleições, e se assim pensa, é porque considera que tem o controlo da vontade da população. Se de verdade tem o controlo da população então, logicamente, a população, ou a maioria das pessoas, não tem o controlo das suas vidas e, provavelmente, sente que não tem…LIBERDADE DE EXPRESSÃO. Quando assim acontece, as pessoas vivem em eterna dependência e com sentimento de dívida para quem trabalham ou possam trabalhar. Esse sentimento de dívida geralmente é explorado por que detêm o poder, para glorificação e mistificações das suas acções. A minha opinião é de que quem trabalha com rigor e dedicação, nada deve a ninguém.

Como algum mestre Zen terá dito, Há sempre duas opções na vida: sermos apenas aquilo que somos, sujeitando-nos ao que nos dão, ou sermos melhor daquilo que somos, procurando a liberdade para aceitar, ou não, aquilo que nos dão. A mudança exige apenas um passo em frente..

Trânsito em Elvas é algo que ainda não encontrei… 

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Regresso a Elvas - I

Estive em Elvas na semana passada. Depois do vir do Sul de França, que é talvez a zona do globo mais sobrevalorizada, onde abundam a vaidade e o supérfluo, estava contente por voltar a minha terra e tomar um banho de “autenticidade” e de “simplicidade”. Lembro-me de entrar na cidade pela avenida que está a seguir as piscinas municipais, avenida essa da qual nunca soube o nome e que estava em obras. O que me chamou a atenção nessa avenida foi o facto de avenida já ter palmeiras colocadas no separador central. De repente, comecei a lembrar-me de Nice, Antibes, Cannes, Saint Tropez, Mónaco, e de algo que me surpreendeu quando lá cheguei. Nessas terras conhecidas internacionalmente pela beleza e pelo glamour, a maior parte das avenidas e das rotundas são decoradas com…oliveiras! Mesmo na empresa onde estou os corredores exteriores que ligam os vários edifícios do complexo onde a empresa está, são ladeados por…oliveiras! Na altura fiquei muito contente com esta descoberta porque as oliveiras mais bonitas são as da minha terra! Mais, em muitas rotundas as pessoas plantam ervas aromáticas (rosmaninho, coentros e por ai) e quando passam pelas rotundas recolhem molhos dessas ervas plantadas. O choque cultural foi maior quando revi as rotundas de Elvas. Confesso que achei e acho agora as estátuas das rotundas algo pindéricas e desproporcionadas, e faco as contas no custo e na necessidade de importar uma palmeira! Talvez aqui haja mais peneiras que na Cote d´Azur francesa pensei…

Tudo isto me leva a concluir que parte da população ainda não interiorizou que a grandeza das coisas e dos objectos. A grandeza de algo não advém do seu tamanho, da sua forma ou do seu custo. A grandeza de algo provem do seu VALOR, que é independente do tamanho, forma ou custo. Para exemplificar, basta dizer que nas minhas viagens visitei sítios e locais a cair de podre, e no entanto, havia milhares de visitantes que tiravam fotografias nesses sítios e locais. A razão para isso é porque esses sítios tinham valor, e esse valor podia ser uma história ou gesto simbólico por detrás, uma inovação arquitectónica ou a representação de um evento histórico. Esse valor falta às obras que vejo em Elvas, na medida em que não constituem referência ou não acrescentam muito ao imaginário das pessoas.


 Transportando esta noção de valor para o acontecimento desta semana, em que o Presidente retirou a confiança ao anterior Presidente, é importante analisar qual o verdadeiro valor dessa tomada de atitude. Não conhecendo o Nuno Mocinha, a imagem que ele transmite é a de um alentejano igual a tantos outros: barriga generosa, sorriso humilde, corpo de quem não faz muito desporto e quem come muita carne de porco, voz de “whisky” e sotaque acentuado. Dos seus projectos e ideias nada sei. Todavia, o que este alentejano igual a tantos outros fez, é algo que um número reduzido de pessoas no mundo fez ou faz. Passo a explicar, o Nuno Mocinha chegando a uma fase onde percebeu que o seu espaço, a sua acção, as suas ideias, e mais importante as suas convicções estavam a ser reduzidas, não ficou na sua zona de conforto a disfrutar do salário e dos benefícios da sua posição. Acreditou nas suas convicções e no seu trabalho, e pondo em risco o seu futuro profissional e da sua família, decidiu romper com o passado e aceitar a responsabilidade pelo futuro. Quantos de nós não ficámos calados em determinadas ocasiões para proteger o nosso salário ou a nossa promoção!?. Quem actua como o Mocinha é que porque nada deve, e tudo o que devia foi pago em trabalho e dedicação. Eu sou daqueles que acho se o anterior Presidente teve sucesso, foi porque teve pessoas como o Mocinha que para ele trabalharam. Da mesma forma considero que se o anterior Presidente fez muito por Elvas como se apregoa, Elvas fez muito pelo anterior Presidente. Sem Elvas, o Rondão Almeida provavelmente não chegaria a Comendador. Além do mais. O anterior Presidente tinha um salário, não vive num T1 e tem o seu nome espalhado pela cidade (inclusivé nessa obra do diabo que é o parque por baixo da Praça da República). 

Tudo isto para dizer, que a acção do Nuno Mocinha tem verdadeiramente o que eu chamei de VALOR, uma tanto mais que aconteceu numa cidade, como em tantas outras cidades, onde as pessoas têm receio de criticar publicamente o antigo Poder instituído por possíveis represálias que afecte o seu emprego ou a sua empresa, tal compridos são os tentáculos das câmaras municipais em cidades pequenas. Haver uma pessoa que mostra que é possível lutar contra tudo e todos (pelo vistos houve uma demissão em bloco dos restante vereadores) pelas suas convicções, abre espaço para que outras possam fazer o mesmo, e isso sim é criar VALOR, um valor muito superior ao valor de todas as rotundas, palmeiras e campos de futebol. Desde há muito que pensava que Elvas, apesar de todas as obras, não se tinha desenvolvido assim tanto porque as pessoas viviam da mesma forma que viviam há 20 anos atrás, com os mesmos hábitos e com as mesmas ambições, num mundo que muda quase ao segundo. O facto de a sociedade elvense ter produzido pessoas que têm a coragem de defender os seus ideais é o facto revelador que houve em Elvas aquilo que é verdadeiramente…desenvolvimento.